O
sonhador, parado em uma encosta – como se fosse quase no topo de um planalto, mas
ao mesmo tempo não muito longe do chão –, direcionou o olhar abaixo e para trás
de si e viu um grande e profundo lago de águas cristalinas. Ficou muito admirado,
a estranhar o objeto de sua observação: a água daquele lago estendia-se para
cima da altura que deveria ter o seu nível, quase chegando ao ponto onde o observador
se encontrava, sem que se espalhasse nem tampouco escorresse para nenhum lado,
assim como uma gelatina fora da forma que a deu forma. Fitando fixa e atentamente a imagem supra, mas
que em relação ao ponto de observação era ligeiramente inferior, o homem, como
a aperceber-se n’um transe, ficou perplexo!
Contudo,
as estranhezas continuariam a surgir! Ao olhar à parte direita do lago,
cristalino que era, o cismador pensou ter visto dento d’água, em pé no solo altamente
submerso, dois homens interagindo entre si. Eles o notaram, encararam-no por
alguns instantes, mas logo puseram-se a correr em direção a uma enorme parede
de pedra, à semelhança de uma esquina, de modo que saíram do campo de visão
observável.
Depois
dessas coisas, outra cena se apresentou diante dos olhos do concentrado espectador,
cena esta também submersa: um senhor idoso caminhava naturalmente (a semelhança
dos outros dois), aparentemente desolado, com o olhar perdido ou indeciso, a
fumar um charuto. Não se deu conta de que era assistido do “mundo superior”,
nem sequer olhou naquela direção.
Em
seguida, o sonhador viu um quarto homem, desta vez com a água até a cintura,
saindo em direção à praia deserta que encerrava a parte da água vertical. Ele
estava vindo de dentro do lago a empurrar uma bicicleta, era conhecido de longa
data do homem que o observava, o qual o interrogou: “Você viu como esta água
está alta?” – “Sim, mas não fui só eu quem fez isso!” – respondeu o ciclista.
O Vento houve-se
havendo em existência similar à dos seres pensantes... à crise que afeta de
tais seres uma parcela. Percebeu-se a sentir. Descrevendo-se a si, delineia os
caminhos que percorre. Entende-se como sendo o algo que passa e é levado por
ele mesmo, tal qual o éter que move e mantém a tudo no espaço, invisível.
Está presente e não
é visto, fazendo-se perceber por meio de uivos e assovios, de sopros, ora
suaves, ora tremendos! Quando calmo é brisa, quando agitado faz-se
incontrolável a errar a esmo ou a girar em torno de um eixo, a traçar rotas
imprecisas...; entregue à própria sorte, chora, esvoaça e grita, para a
desventura das árvores frágeis, ressequidas, de galhos envergáveis,
quebradiças!
Ao passar pelos
prados e campos, como em ritual reverência, deitam do capim ao arbusto – “que
susto!”; pelos centros urbanos, visão de assombro: vidraças, vitrines,
para-brisas, espelhos viram açúcar de confeiteiro, cobertura de coco no asfalto
brigadeiro.
O Vento, ainda
assim, aparentemente, acode ao senso comum que defende o direito de ser como é;
mais que isso, o dever de poder ser assim mesmo do jeito natural a que veio ao
mundo sensível: aparência que não se molda, “um modelo diferentemente igual”,
sem forma, a transportar partículas cinza a que se reputa por poeira!
De poeira em
poeira, a empurrar a areia, separa os terrenos das águas, ergue morros e os
rodeia... Toda a terra é o itinerário deste elemento... Vive de rodeá-la... Sua
existência é o seu movimento, indo e vindo, sempre assim, a sorrir ou a “sufrir”:
a buscar aonde ir!